domingo, 20 de setembro de 2009

"A gente regula, não reprime", diz responsável por classificação de programas

ANA PAULA SOUZA
da Folha de S.Paulo

Se o departamento de classificação indicativa do Ministério da Justiça pudesse limar uma palavra do dicionário, escolheria, provavelmente, a palavra censura. Nada inquieta tanto os responsáveis pela definição da faixa etária de programas de TV, filmes e games quanto o termo herdado da ditadura militar. "A gente regula, não reprime. Também não punimos nem processamos", diz, de pronto, Romeu Tuma Jr., secretário nacional de Justiça.

Delimitado o terreno de atuação, ele admite que, três anos depois de instituído o manual de classificação, é tempo de ajustá-lo. "Vamos rever os critérios. Eles precisam ser mais maleáveis."

Se a classificação para a TV já deu bastante o que falar, menos discutido tem sido o trabalho feito para o cinema -- que segue as mesmas regras.

"Da maneira como é hoje, virou um novo tipo de censura", diz Leon Cakoff, organizador da Mostra de São Paulo e distribuidor de filmes de arte. "Deveria haver autorregulamentação." Outro que mantém a palavra tabu no vocabulário é Jean Thomas Bernardini, da Imovision. "Sou prejudicado pela classificação", diz. "Quase todos os nossos filmes obtêm classificação maior aqui do que em outros países." As distribuidoras dos blockbusters, por sua vez, não se queixam. "Quase todos os países têm órgãos semelhantes", diz Rodrigo Saturnino Braga, da Sony Pictures.

Informado das queixas dos independentes, Tuma Jr. pontuou, primeiro, que não há diferença de tratamento entre os grandes estúdios e os pequenos. Mas admitiu que, ao contrário do que aconteceu com a TV, freguesa de reuniões, o cinema ainda não foi colocado em foco no departamento.




Para a indústria, no entanto, a classificação é questão de vida ou morte. "Um filme pode deixar de ser lançado se receber 18 anos", diz Braga. "É comum o produtor pedir para o diretor mudar um filme classificado como R [restricted]." O "restricted", nos EUA, equivale aos nossos 18 anos. Nesses casos, nem acompanhado dos pais o adolescente pode entrar.

A jornalista Márcia Pereira levou a filha de 16 anos para ver "Brüno", classificado para 18 anos _após recurso, o filme mudou para 16. Por não saber da proibição, ela desobedeceu o bilheteiro e entrou na sala. Recebeu, no escurinho do cinema, a visita de três seguranças. "É uma hipocrisia. Eu é que sei o que minha filha pode ver. Além disso, ela baixa o filme na internet na hora em que quiser", diz.

Não por acaso, será esse o mote da campanha governamental, que incluirá cartazes e filmetes a serem exibidos nos cinemas. "Não se engane. Tem coisas que seu filho não está preparado para ver", avisa a peça publicitária.

"Nosso procedimento é muito original, mas não é inventado. São critérios testados mundialmente", diz Davi Pires, diretor do departamento. "Se há alguma censura, é a do mercado, que muda um filme para ter outra classificação", diz, referindo-se aos 26 minutos limados de "Halloween". "Eu já disse, em reuniões com o estúdio, que, no Brasil, se tiver tortura é 18 anos. Por outro lado, somos muito mais tolerantes com sexo que eles", pondera Braga.

"Gostam de falar mal da classificação em público. Mas muitos pais têm medo de dizer não para os filhos e querem que a gente diga", diz Tuma Jr. O secretário, que acostumou-se a lidar com as pressões da TV, diz que, no caso do cinema, é tudo muito menos ruidoso.

Segundo Pires, apenas Luiz Carlos Barreto foi visitar o ministério, para tentar fazer com que "O Homem que Desafiou o Diabo" recebesse 14 e não 16 anos. E quem ligou foi Renato Aragão, tentando obter o carimbo "livre" para seu último filme. "Mas não teve jeito", lamenta Pires. "Havia criança em situação de sofrimento."




Leia mais

Nenhum comentário: