quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Vale a pena ver de novo como a encrenca começou

O escândalo do mensalão nasceu de um incômodo a que foi submetido o então deputado Roberto Jefferson. Um cupincha do PTB foi pilhado em vídeo recebendo uma “peteca” de R$ 3.000 nos subterrâneos dos Correios. Súbito, o incômodo foi ultrapassado pelo insuportável, que foi vencido pelo inacreditável, que foi superado pelo impensável, que foi batido pelo inadmissível...
Deu-se o improvável: Jefferson confessou ser beneficiário de prebendas saídas das malas de um Marcos Valério a serviço do ex-puro PT. Coisa de R$ 4 milhões. Admitiu, de resto, que usava estatais como trampolim financeiro das arcas partidárias. E delatou os comparsas de outros partidos. Seu alvo mais vistoso foi Zé ‘Sai Daí Rápido’ Dirceu.

Nesta quarta-feira (22) em que o STF começa a descascar o abacaxi do mensalão, o signatário do blog oferece aos seus 22 leitores um refresco de memória. O vídeo acima traz um resumo dos primeiros lances da crise. Termina no instante em que a Câmara levou à bandeja o escalpo do “denunciante” Jefferson. Depois dele, foram passados na lâmina apenas os pescoços do protagonista Dirceu e do coadjuvante Pedro Corrêa (PP-PE).

Nada que se compare à tentativa empreendida pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, de enquadrar as 40 faces identificadas da “quadrilha”. Os rostos mais vistosos são, de novo, os de Jefferson e Dirceu. Juntos, passaram a personificar, sob Lula, a reedição das passagens indecorosas que permeiam a política brasileira.

Lula e o PT chegaram ao Planalto como solução de milhões de brasileiros. Tornaram-se problema no instante em que, mimetizando a ambigüidade que intoxicou gestões anteriores, conduziram suas próprias biografias num passeio pelos cafundós da política.

FHC cavara o instituto da reelegibilidade em meio a uma atmosfera de barganhas conspurcada pela confissão dos deputados do Acre que levaram "200 mil" de uma certa "cota federal". No afã de servir-se da regra nascida de um processo cuja legitimidade o ex-PT tanto questionou, Lula cavou o suporte parlamentar e a recondução ao cargo acomodando nos desvãos da máquina pública apadrinhados de políticos que detinham notáveis fichas corridas -Jeffersons, Valdemares e muitos outros azares.

A desfaçatez foi levada longe demais. À partilha de cargos, conduzida por José “Técnico do Time” Dirceu, somaram-se as valerianas que untaram a engrenagem congressual. Repetiu-se, em dose cavalar, o flagelo que, entra governo, sai governo, submete a administração pública a um banquete de cardápio sinistro. Uma refeição reservada a convivas que se habituaram a enxergar o Estado como fonte de negócios e oportunidades.
À semelhança do que ocorreu com o sociólogo envernizado na Sorbonne, obscuros parlamentares da tribo dos peemedebês, dos pêeles e dos pepês passaram a enxergar o ex-sindicalista forjado nas lutas do ABC como "um dos nossos". O garçom da refeição servida sob FHC foi Sérgio Motta. Desceu à cova com a imagem indelevelmente associada àquela "cota federal" tão festejada pelos deputados acreanos.

A mesa patrocinada por Lula foi caprichosamente posta por José Dirceu, uma espécie de neo-Serjão. A barriga é menor, mas o apetite mostrou-se igualmente exuberante. Entrou na política pela porta certa. Fez-se na luta contra a ditadura. Mas escolheu compor o papel de coveiro do próprio histórico. Hoje, pretexta inocência. Algo que, se admitido, fará da “quadrilha” exposta na denúncia do Ministério Público uma espécie de máfia sem capo.

No segundo reinado, Lula já não convive nem com o talento operativo de Dirceu nem com as malas providenciais de Marcos Valério. Mas continua servindo a seu consórcio partidário o mesmo repasto de cargos. Jogo jogado. Quando vierem os novos escândalos, não vale dizer que não sabia. Foram-se todos os anteparos.

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