quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Sem estrutura, STF pode ter de ouvir 401 pessoas

Se virar ação penal, mensalão vai gerar sobrecarga inédita O risco de prescrição é admitido por ministros e advogados

Em dois séculos de história, o STF nunca se defrontara com uma encrenca de natureza penal da complexidade do mensalão. Criado em 10 de maio de
1808 com o nome de Casa da Suplicação do Brasil, é a primeira vez que o tribunal lida com um processo envolvendo, simultaneamente, 40 acusados. O ineditismo pode conduzir ao desastre da prescrição.

Em julgamento que começa às 10h desta quarta-feira (22) e pode se arrastar por três ou até quatro dias, os
dez ministros do Supremo decidirão se a denúncia formulada pelo procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza merece ou não ser promovida à condição de ação penal. Não são negligenciáveis as chances de que os acusados sejam transformados em réus.

Em privado, o relator
Joaquim Barbosa revelou a pelo menos um colega o desejo de submeter ao plenário do tribunal um voto favorável ao recebimento formal da denúncia do Ministério Público. A dúvida é quanto à extensão da decisão, que pode alcançar todos os 40 denunciados ou apenas uma parte da lista arrolada pelo procurador.

Se o STF decidir processar as quatro dezenas de implicados, estará se auto-impondo um desafio sem precedentes, incompatível com sua falta de estrutura para lidar com questões penais. Só nesta fase inicial, o processo já produziu notáveis 52 volumes. Transpostos para o meio digital, foram acomodados em 11 mil páginas. Instaurada a ação penal, será aberta a fase de oitiva dos réus e das testemunhas.

Serão nada menos que 401 pessoas –os 40 réus, as 41 testemunhas de acusação já arroladas na peça do Ministério Público e as 320 testemunhas de defesa que a lei faculta aos acusados (oito para cada réu). Somando-se às inquirições uma infinidade de recursos e chicanas ao alcance dos advogados, o risco de os crimes prescreverem antes do veredicto torna-se real. É o que admitem ministros. É no que apostam os advogados.

A denúncia do procurador-geral imputa aos acusados a prática de pelo menos seis crimes –formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e peculato. Podem resultar em penas que vão de um a 12 anos de cadeira, além de multas.

Se o julgamento final ocorrer dentro de cinco anos, prazo considerado razoável para um processo de tais dimensões, qualquer réu que seja condenado a penas que variem de um ano a quatro anos e 11 meses emergirá do processo impune. Quanto maior a demora, maiores as chances de prescrição. Os mais pessimistas apostam que a ação pode se arrastar por um período de oito a dez anos.

A chance de uma indesejável delonga é potencializada por um dado imutável da realidade: o monturo de processos submetidos ao julgamento dos ministros do STF cresce em ritmo alucinante. Em 2006, deram entrada no tribunal 117.699 novos casos -10.699 processos novinhos em folha para cada um dos magistrados da Corte.

Chama-se “privilégio de foro” o fenômeno que leva o STF a flertar com o descalabro. Trata-se de um desses mecanismos que os legisladores injetaram na legislação brasileira em causa própria. Obriga a que todos os detentores de mandatos eletivos sejam processados e julgados na Corte Suprema. No final do ano passado, Joaquim Barbosa propôs aos colegas o desmembramento da denúncia do mensalão. Queria que Supremo cuidasse apenas do julgamento dos cinco acusados com assento no Congresso: João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT), José Genoino (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Paulo Rocha (PT-PA).

Os outros 35 denunciados, entre eles os deputados cassados José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson, seriam submetidos ao crivo de juízes de primeiro grau. Porém, Barbosa foi
voto vencido. Prevaleceu no plenário do Supremo a tese de que, por conexão, os detentores de mandatos arrastam para o STF todos os acusados, mesmo os que não dispõem de foro privilegiado.

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