quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Pe. Ezechiele Ramin

Cacoal / RO (Brasil) 24 lde julho de 1985 - 32 anos Uma vida doada aos pobres

Ezequiel Ramin nasce em Padua aos 9 de fevereiro de 1953. Ainda jovem manifesta a vocação pelos últimos através de pequenos gestos. Um dia, quando estudava o segundo grau, encontra um missionário comboniano e manifesta sem exitar, pela primeira vez, o seu desejo pela missão.No trabalho junto aos jovens para ajudá-los na mudança de mentalidade e numa visão diferente, num mundo construído exclusivamente baseado na eficiência e no proveito próprio, funda o grupo “Mãos levantadas”.

Assim escrevia a um amigo em 1972: “Sigo a estrada do missionário, não porque eu tenha escolhido Deus, mas porque Deus me busca e continuamente me pede se quero segui-lo. Pede-me isso quando ajudo as pessoas quem têm problemas, quando enfrento problemas por causa deles, quando defendo os direitos da pessoa, quando esforço-me para não considerar ninguém irrecuperável, quando acredito numa pessoa, mesmo sabendo que estava me enganando”.Começa os seus estudos junto à família comboniana. Primeiro em Florença e depois em Venegono e termina os estudos de teologia em Chicago. Assume o trabalho com seriedade e mantém um espírito sempre juvenil e comunicativo ao serviço dos últimos e marginalizados.Em 29 de setembro de 1980 os superiores o enviam a comunidade comboniana de Nápoles para trabalhar com os jovens. Poucos meses de sua chegada, a região foi destruída por um terremoto causando muitas vítimas.

Ezequiel, neste tempo, trabalha incansavelmente dia e noite, dormindo em péssimas condições num Trailer que serve ao mesmo tempo de dormitório, escritório paroquial e centro do Comitê de ajuda.Destinado à missãoDepois de três anos de trabalho, chega o tempo de partir, Tinha sido destinado ao Brasil. A sua escolha missionária podia agora realizar-se. Chega ao Brasil no inicio de 1985. Depois de um curso em Brasília para aprender a língua, a cultura e a vida pastoral da Igreja no Brasil, foi destinado à paróquia da Sagrada Família em Cacoal, Rondônia. A missão na qual Ezequiel foi destinado a trabalhar faz parte da diocese de Ji-Paraná, em Rondônia, um dos Estados onde as tensões pelos conflitos de terra se tornava sempre mais difícil.Ao chegar à paróquia, Ezequiel não perde tempo. Começa a visitar as comunidades para conhecer a realidade do povo. Numa carta aos familiares comenta as suas primeiras impressões: “Recebi com atraso postal a carta do pai e procuro responder logo para não perder mais tempo. Antes de tudo peço para vocês não se preocuparem comigo. Aqui está tudo bem. Parece que estamos em pleno verão o tempo todo; acredito que aos poucos irei me acostumando...”.

Na sua primeira homilia e falando o português com muita dificuldade, pois ainda não dominava bem a língua, afirma: “Vim entre vocês na simplicidade e na amizade, mas antes de por os pés no solo brasileiro tinha feito a minha opção preferencial: os pobres e os indígenas, as duas categorias, mas exploradas desta terra”. O povo da um forte aplauso. E continua “Eu seu muito bem que esta escolha vai me custar muito cara, e desde agora aceito voluntariamente todas as conseqüências que dela vier, quem sabe a prisão, a tortura e também, a vida”. E assim aconteceu.Em sua comunidade religiosa, Ezequiel gosta de conversar com os confrades sobre os problemas dos posseiros e dos índios Suruí que estão na região. Gosta de fazer planos, agir, resolver de imediato todos os problemas pastorais inerentes. Seu temperamento é radical e impetuoso. É homem de ação. Não tem a assim chamada “paciência história”.


Não sabe esperar.Às vezes, e contra a sua vontade, a sua preocupação pelos outros o torna irreflexivo. Isso o leva a agir de um jeito que seja hostilizado por alguém do seu grupo que não o compreende. A incompreensão, apesar de causar-lhe sofrimento, não consegue, porém, abate-lo. Só as angústias dos mais necessitados encontram em Ezequiel uma especial ressonância de solidariedade de compaixão. Parece ter aprendido a lição de São Daniel Comboni, seu fundador: “O missionário deve está disposto a tudo, à alegria e à tristeza, à vida e à morte, ao abraço e ao abandono”.Novato no ambiente, Ezequiel, às vezes, não valoriza suficientemente os conselhos dos confrades. Eles o alertam sobre os perigos e os riscos que a sua jovem idade e a pouca experiência da problemática pastoral de Cacoal poderiam acarretar para toda a paróquia.

“A idade não significa!' – explica Ezequiel.O arame farpadoEzequiel havia se comprometido a mediar a pacificação do conflito entre fazendeiros e sem-terra da região. A pouco mais de 100 quilômetros de Cacoal, cerca de 350 famílias pobres estão acampadas às margens da estrada. Pedem um pedaço de terra para trabalhar e viver.Numa carta enviada ao amigo Carlos, Ezequiel escreve: “Aqui a vida é boa, mesmo que, às vezes, eu seja obrigado a dormir nos barracos da roça, sobre uma cama de varas. Mas o cansaço é demais e isso ajuda a dormir profundamente. O povo aqui vive na miséria. Parece uma situação normal.

O povo é tratado como cachorros para os quais sobram somente os ossos. Muitas vezes sinto um nó na garganta e uma vontade de chorar, ao ver os quilômetros de cerca. O maior escândalo é que, ao redor deste povo miserável e sem terra, existem grandes extensões de terra, grandíssimas injustiças e roubalheiras por parte dos poderosos”.Os trechos desta carta, de sabor profético, foram escritos por Ezequiel um ano antes de seu martírio. Chegando a Cacoal onde a injustiça é rotineira, Ezequiel havia feito a sua opção preferencial: “Coloco-me ao lado dos povos indígenas e dos posseiros expulsos de suas terras, que cultivam há anos, só por lhes faltar um documento escrito”.Anúncio e denúnciaEzequiel esforça-se para inspirar suas palavras e seus gestos nos de Cristo. Da leitura dos evangelhos percebe que Jesus analisa o mundo em que vive e que condena o mal que nele existe: “Eu não pertenço a este tipo de mundo” (Jo 8,23). Recusa os seus valores e denuncia a estrutura injusta do mundo. Rejeita os ídolos que o dominam.Falando ao povo na Sexta-feira Santa, Ezequiel diz: Paremos um pouco porque estamos diante de um homem que está morrendo. Quantas coisas poderiam dizer sobre esta morte; mas falar da morte é esvaziar a vida concreta de Cristo, de Jesus de Nazaré.

Por que só a morte deveria ter valor redentor? Será que a vida de Jesus não foi igualmente libertadora? Não mostrou ele, efetivamente, o que seja a redenção na vida que levou, no modo como se comportou em várias situações e como encarou a morte? A morte de cruz foi conseqüência de um conflito e o termo de uma condenação oficialmente judicial, portanto da decisão e do exercício da liberdade humana... Quem rouba terras é honrado latifundiário, fazendeiro, comerciante; quem ocupa um lote de terra para sobreviver é ladrão... enquanto este furta um palmo de terra e está sujeito a viver em contínuo risco e perigo de morte, os grandes furtam sem temor e sem perigo.Terra encharcada de sangue

A migração para a fronteira com o Mato Grosso tinha aumentado muito no início do ano de 1985. Tinha-se a notícia da existência de 250 famílias. A situação passou a ser muito perigosa com freqüentes enfrentamentos entre posseiros e jagunços (polícia privada dos latifundiários). Nesta área estava a fazenda Katuva e na entrada da qual estava escrito: “Fazenda Katuva” – proibida a entrada. Os donos tinham contratado jagunços para controlar a posse da área – mais de 50 mil alqueires.Na terça-feira, dia 23, Ezequiel, juntamente com o presidente do sindicato dos trabalhadores de Cacoal, visitou as comunidades no final da linha sete. Voltou na hora do jantar. Padre José Simionato lembra-se de naquela noite ter conversado com padre Ezequiel sobre a programação do dia do Lavrador. Estava prevista a chegada entre 800 a mil trabalhadores do interior de Cacoal para uma série de conferências no salão paroquial e uma manifestação nas ruas da cidade.

Na hora de deitar – relata ainda o padre José – “Ezequiel me avisou que no dia seguinte, iria com Adílio à fazenda Katuva. Eu reagi imediatamente dizendo que não era para ir e por vários motivos: porque no dia seguinte precisávamos preparar juntos o programa do Dia do Lavrador; porque era inútil aquela viagem por não termos ainda informações precisas dos posseiros, enfim, porque estávamos planejando de entrar na área juntos nos próximos oito ou dez dias. Conversamos bem uns 10 minutos e, quando me parecia que o tinha convencido a desistir, nos demos boa noite dizendo que no dia seguinte conversaríamos melhor”.Ezequiel vai para a cama, mas não consegue dormir. Vinha-lhe à mente o assassinatos de tantos lavradores, de Dom Oscar Romero, etc.

Admira-se pela excessiva preocupação do seu colega e de outros. Para Ezequiel o problema dos acampados tem urgente prioridade e deve ser resolvido logo, por ser perigosa a permanência dos posseiros naquela área. Ele não podia permitir que fosse derramado mais sangue inocente. Confiava na sua capacidade de dialogar com as autoridades. Dialogaria também com os patrões e seus jagunços se houvesse necessidade. Considerava urgente avisar os posseiros para que saíssem da Fazenda Katuva e assim evitar tragédias.O encontro fatal:Na manhã seguinte, às 5:30, o barulho do carro de Ezequiel indo embora acordou os padres José Simionato e John Clark. Deixando-os apreensivos durante o dia todo.

Ao chegar ao local encontraram alguns posseiros a uns 100 metros de onde estavam acampados os jagunços. Eram 11 horas da manhã. Ezequiel e Adílio conversaram com os posseiros aconselhando-os a que saíssem do lugar por ser muito perigoso.A poucos metros dali os pistoleiros escutavam a conversa e controlavam todos os movimentos. Sete deles pegaram as armas escondidas na mata e, depois de carregá-las numa caminhonete, partem. Faltava pouco para o meio dia. Também Ezequiel Adílio partem.

Mal percorreram dois quilômetros, quando, depois de uma curva na estrada, avistaram a caminhonete Chevrolet da Fazenda parada em cima de uma ponte com sete homens armados, em posição de tiro a menos de 20 metros de distância. Instintivamente Ezequiel apaga o motor e foi imediata a primeira descarga contra os dois ainda dentro do carro. Ezequiel saiu imediatamente pela porta do lado esquerdo do carro, tentando fugir em direção à mata. Conseguiu correr uns 50 metros. Grita: “parem, eu não vou fazer nada contra vocês”. Não pode fazer nada. Ali foi crivado de balas. Era o meio dia do dia 24 de julho de 1985.A sua morte foi um supremo ato de amor – doação aos pobres. “Para ajudar as pessoas é necessário um amor grande que nos dê força bastante para nuca cansar”. Queria ajudar aos trabalhadores para que não morressem de fome. “A nossa morte é vitória com aparência de derrota”

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