O universo clandestino dos arapongas que ameaçam juízes, empresários, políticos – e mais de 5 milhões de cidadãos brasileiros
Rodrigo Rangel e Ricardo Amaral
Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 8/setembro/2008.
Num país onde se calcula que 5 milhões de pessoas sejam grampeadas a cada ano, até o mais protegido dos cidadãos convive com o receio de que suas conversas sejam gravadas. Na última semana de agosto, o serviço de segurança do Palácio do Planalto reforçou a defesa dos telefones usados pelos filhos e familiares do presidente Lula. A troca de números e aparelhos e a realização de varreduras nesses telefones constituem uma providência de rotina, mas desta vez o motivo para a cautela foi a suspeita de que uma organização clandestina de espionagem tem como um de seus alvos a família do presidente. Num encontro com os ministros do Supremo Tribunal Federal, na semana passada, que foram ao Planalto pedir providências diante da descoberta de um grampo no telefone do ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, Lula queixou-se de que seus filhos estariam entre os milhões de brasileiros com telefones grampeados ilegalmente. Disse que considera essa situação “insuportável”.
O presidente revelou aos ministros apenas uma ponta da suspeita investigada pelo Planalto. Os agentes da Presidência tentam rastrear uma organização formada por delegados da Polícia Federal e da Polícia Civil de São Paulo, auditores da Receita Federal baseados no Rio de Janeiro e em São Paulo, agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e de uma empresa de espionagem industrial, além de um empresário envolvido em grandes disputas comerciais. A organização se intitula “Grupo dos 13”, uma referência ao número de seus componentes originais, mas é possível que já conte com 20 integrantes, de acordo com o primeiro relato de sua existência, feito ao presidente por um político de sua confiança. Além dos familiares de Lula, o “Grupo dos 13” é suspeito de espionar dirigentes petistas e políticos destacados do partido: os ex-ministros José Dirceu e Antônio Palocci, o presidente Ricardo Berzoini e membros da direção nacional do PT, a ex-prefeita Marta Suplicy e seus aliados paulistanos da família Tatto.
ÉPOCA conversou sobre o “Grupo dos 13”com três pessoas muito próximas ao presidente, para confirmar que a suposta atividade de policiais, agentes e auditores é investigada reservadamente. Uma das evidências da ação do grupo é o relato de que o ex-ministro Dirceu teria sido fotografado em quatro situações diferentes: no interior de São Paulo, em um hotel s do Rio, nas ruas de Miami com um amigo e em uma cidade da Europa. Procurado por um interlocutor, Dirceu confirmou as situações em que teria sido fotografado e admitiu ter tomado conhecimento da existência de um grupo de policiais, mas negou conhecê-lo pelo nome “Grupo dos 13”. ÉPOCA também procurou o empresário citado como integrante da organização de espionagem, que se recusou a comentar o assunto.
Os brasileiros conhecem – muito bem – o risco de organizações paralelas, que funcionam à margem da estrutura do Estado e não obedecem a uma cadeia de comando conhecida. Em sua versão benigna, são grupos de funcionários que partilham uma ou duas doses de uísque no fim do expediente, cultivam afinidades pessoais ou políticas e se ajudam em horas de necessidade. Em sua versão maligna, constituem aquilo que o ministro Gilmar Mendes define como “milícias”.
O governo investiga um "grupo dos 13", suspeito de espionar até a família de Lula
O país conviveu com organizações desse segundo tipo durante o regime militar. Policiais civis agiam à margem da estrutura, às vezes cometiam assassinatos, alguns enriqueciam com a prática de chantagem e crimes por encomenda – mas também eram capazes de realizar prisões espetaculares que garantiam prestígio e impunidade. Nos anos finais da ditadura, bandos formados na repressão política abandonaram a disciplina militar para cometer atos de terror, como explodir bancas de jornal ou preparar crimes gravíssimos, como o atentado à bomba do Riocentro, em 1981.
No Brasil de 2008, a situação é muito diferente. O país vive sob uma democracia estável, as instituições funcionam e asseguram a cada brasileiro o direito de tocar a vida sob o mais amplo regime de liberdades públicas desde que as caravelas de Pedro Álvares Cabral chegaram à Terra de Santa Cruz. Neste ambiente, o poder de ação de grupos paralelos pode ser comparado ao ovo da serpente: se não for eliminado em sua fase inicial, pode crescer para tornar-se um animal perigoso. A truculência não se expressa em atos físicos, mas pela tecnologia eletrônica de última geração, que invade conversas, intimidades e, acima de tudo, atinge liberdades e direitos.
Estima-se que oito em dez grampos realizados no país sejam ilegais, sem a indispensável autorização de um juiz. Há histórias de casamentos infelizes, mas é ingenuidade acreditar que a maioria dos casos envolva maridos adúlteros e mulheres infiéis. Uma parcela imensa das interceptações tem origem no Estado, onde funcionários de áreas estratégicas como a Polícia Federal, a Receita e outros setores recorrem a serviços de terceiros para fazer escutas que a lei não permite.
“Muitas vezes, o grampo legal, feito com autorização de um juiz, é apenas uma cobertura, uma forma de lavar aquilo que já foi obtido ilegalmente”, afirma uma advogada da área tributária. Uma das mais ativas centrais de escuta telefônica do país encontra-se na Polícia Rodoviária Federal, que muitos brasileiros ainda associam a uma visão romântica, criada a partir do seriado Vigilante Rodoviário, da década de 1960.
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Por dentro da grampolândia
Postado por blogimpactorondonia às 12:11:00
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