terça-feira, 19 de junho de 2007

Olhar da favela

Fabiana Oliveira 02/05/2007
Cacá(C) e os jovens produtores do filmeO advento de novas tecnologias de produção audiovisual abre espaço para uma nova geração de cineastas que surge nas comunidades do Rio de Janeiro. Alguns deles terão a oportunidade de exibir seus talentos na reedição do filme “Cinco vezes favela”. E agora, “por eles mesmos”. Mostrando que há “1001 formas de falar da favela sem sangue”.Num projeto de Cacá Diegues, produzido pela Luz Mágica Produções, em co-produção com a Globo Filmes e a Columbia do Brasil, “Cinco vezes favela, Agora por eles mesmos” pretende repetir o sucesso de seu antecessor, idealizado em 1961, por cinco jovens universitários, com episódios cujos temas são as favelas cariocas.Na nova versão, assim como na anterior, serão cinco filmes de ficção, com aproximadamente 20 minutos cada. A diferença é que desta vez, eles serão totalmente dirigidos por moradores de favelas do Rio. E não é só isso: além de apresentarem um outro olhar sobre as comunidades, os jovens já trazem na bagagem muita técnica para mostrar.
Cacá: nosso papel era apenas de coordenadores“Há algum tempo eu venho ajudando algumas organizações que trabalham com o audiovisual em comunidades, dando palestras sobre cinema. Acabei percebendo que há uma espécie de alfabetização do audiovisual e que ali poderiam surgir novos cineastas. Aí surgiu essa idéia: aquele grupo, formado por cinco universitários, de classe média, na década de 60, poderia ser reproduzido por esses rapazes”, explica Cacá.Para tornar a idéia possível, o cineasta entrou em contato com organizações não governamentais que já desenvolviam oficinas de audiovisual em diversas favelas do Rio. Durante três meses mais de 150 jovens participaram de oficinas de roteiro de onde foram escolhidos os argumentos para os episódios do longa.“A idéia era fazer um filme que eles pudessem mostrar suas qualidades técnicas e artísticas. Cada jovem teve oportunidade de propor um argumento. Eles mesmos selecionaram o melhor e em seguida o roteiro foi construído coletivamente. Nosso papel foi apenas coordenar o trabalho para que eles chegassem onde queriam mais rápido. Dessas oficinas sairá também a equipe para o elenco. Mas esse filme não é de fim de curso. É um filme sério para entrar no circuito”, avisa.
Fonte de renda tem direção de ManaíraAlém de ser um produto para o circuito regular de cinema, nacional e internacional, o filme tem a proposta de ser também uma oficina completa de preparação de jovens cineastas da periferia para o exercício do audiovisual. A idéia, segundo Cacá Diegues, é incluir esses novos cineastas da periferia na economia do cinema brasileiro e prepará-los para prestar, através do cinema, testemunho de seu cotidiano e de suas próprias vidas.As oficinas oferecidas pela Luz Mágica Produções, aconteceram em cinco comunidades diferentes com apoio da Central Única das Favelas - Cufa (Cidade de Deus), Nós do Morro (Vidigal), Afroreggae (Vigário geral), Observatório de Favelas (Complexo da Maré) e Cinemaneiro (Lapa).Para criarem uma linguagem original, a maioria dos diretores da nova versão não assistiram aos episódios do anterior. Para Dudu Azevedo, 48 anos, do Observatório de favelas, que desde 2005 forma profissionais de audiovisual em sua Escola Popular de Comunicação Critica, o filme , que deve começar a ser filmado em meados de 2007, tem tudo para ser um novo marco no Cinema Nacional:
Dudu: deixamos os alunos a vontade“Deixamos os alunos a vontade. Cada um apresentou uma proposta de argumento e o grupo escolheu o melhor. Este foi desenvolvido para roteiro. A grande diferença de um filme para o outro é que agora é uma visão de dentro, menos preconceituosa. A outra era muito generosa, mas idealista. Esta com certeza será pé no chão, mostrando a vida vivida ali dentro, com suas crenças, valores e saberes”, aponta Dudu Azevedo.Com o nosso olharAluno da primeira turma da Escola de Comunicação Popular, Cadu Barcelos, 20 anos, é o argumentista e diretor do filme “Deixa voar”, aprovado para o “Cinco vezes favela, Agora por eles mesmos”. Morador da Vila do Pinheiro, no Complexo da Maré, Zona Norte, ele tem no currículo um curta feito para o Canal Futura, que conta um pouco da memória da favela onde nasceu.
Cadu teve argumento escolhido entre 30“Meu argumento foi escolhido entre outros 30. Quando escrevi, a idéia era falar da favela com um olhar de quem mora nela. Na Maré somos 100 mil habitantes e nem 10% deles são traficantes. É um pouco desse cotidiano que vou mostrar no meu filme”, já adianta, o atual aluno do curso de audiovisual da Escola de Cinema Darcy Ribeiro.Quem também integra o time é a moradora do Morro do Vidigal, na Zona Sul, Luciana Bezerra, 32 anos. Ela já fez trabalhos como produtora, figurinista e diretora de arte. Mas é como diretora que ela se destaca. Um de seus curtas, “Mina de Fé”, foi premiado com uma Menção Honrosa no Festival do Rio e como melhor curta no Festival de Brasília, em 2004.
Agora sua atenção esta voltada para o curta “Acende a Luz”, que também foi escolhido para o filme. Responsável pelo argumento e direção, Luciana diz que o mais importante é mostrar o cotidiano da comunidade onde mora através da festa do Natal:“A oportunidade de fazer um filme é sempre especial. A coisa mais forte que pude perceber com essas oficinas foi o quanto de história tem para ser contado. Quando pensei no argumento, minha vontade era falar de gente, do dia-a-dia, daí pensei em mostrar um pouco da beleza do natal na comunidade”. Conta a também coordenadora do grupo Nós do Morro.
Jovens e talentosos cineastas de favelas do RioConfira os argumentos e diretores de “Cinco vezes favela, Agora por eles mesmos”“Arroz com feijão”, argumento de Zezé da Silva; direção de Rodrigo Felha e Cacau Amaral. Wesley tem 12 anos de idade e sonha dar ao pai, que só come diariamente arroz com feijão, um presente de aniversário inusitado: uma refeição de frango.“Deixa voar”, argumento e direção de Cadu Barcelos. A pipa de Flavio, de 17 anos, cai na favela de uma facção do trafico rival a sua comunidade; obrigado a ir recuperá-la, ele descobre que as duas comunidades não são em nada diferentes uma da outra.“Concerto para violino”, argumento de Rodrigo Cardozo da Silva; direção de Luciano Vidigal. Jota, Pedro e Márcia cresceram juntos, numa mesma comunidade; quando crianças, eles fizeram um juramento de amizade que, agora adultos e com destinos diferentes, não tem mais como cumprir.“Fonte de renda”, argumento de Vilson Almeida de Oliveira; direção de Manaira Carneiro e Wavá Novais. Maicon realiza seu sonho de passar no vestibular de Direito, mas agora precisa arranjar dinheiro para pagar seus estudos, livros e cadernos.“Acende a luz”, argumento e direção de Luciana Bezerra. Na véspera do Natal, o morro esta sem luz e os técnicos chamados não conseguem resolver o problema; ate que um dos técnicos se torna refém da comunidade que não quer passar o Natal às escuras.

Nenhum comentário: