quarta-feira, 24 de março de 2010

TV digital é transtorno para idosos

Vesta Clemmons, que tem 77 anos e mora sozinha, considera a velha televisão em seu pequeno apartamento como mais do que uma comunicação com o mundo exterior.

"Ela é como uma amiga," disse na sala de estar, que também é sua sala de jantar e quarto. "Me sentiria muito isolada sem ela. Me sinto sozinha de qualquer forma."

Por isso Vesta ficou preocupada ao saber de uma campanha de serviço público que, após o dia 17 de fevereiro, a antena no telhado conectada à sua televisão não funcionaria mais e, portanto, a TV também não - a menos que ela comprasse e instalasse um conversor. Nesse dia, as emissoras dos EUA deverão desligar seus sinais analógicos antiquados que suportaram sua programação desde a época de Milton Berle, substituindo-os por sinais digitais de alta definição que oferecem uma imagem mais nítida, entre outros benefícios.

Mas a menos de um mês antes para o final do prazo, ainda há tantos americanos que não tomaram as medidas necessárias para continuar assistindo à televisão - mais de 6,5 milhões, de acordo com a Nielsen Media Research - que o Congresso estuda dar a eles mais tempo para fazer a substituição.

Na segunda-feira à noite, o Senado aprovou um projeto de lei, apoiado pelo presidente Obama, para estender o prazo até 12 de junho. A Câmara dos Representantes considerou a mesma medida na quarta-feira, mas não conseguiu a maioria de dois terços necessária para aprovar o projeto sob voto procedural de tramitação rápida. O destino do projeto é agora incerto.

A despeito de quando a substituição acontecer, os espectadores de sistemas via cabo e satélite, e muitos outros com televisões digitais compradas depois de 2004, não precisarão fazer nenhuma alteração, nem notarão muita diferença depois do vencimento do prazo. Mas para os espectadores mais velhos e de baixa renda como Vesta, que ainda usam antenas sobre o aparelho televisor ou em telhados para sintonizar imagens de programas como The Oprah Winfrey Show ou The Young and the Restless, a substituição pela TV digital tem se mostrado um transtorno complicado e enfadonho.

O fato de que tantos espectadores do país correm o risco de perder algo tão básico quanto o sinal de televisão gratuito se deve, pelo menos em parte, à falha do governo em prever que aqueles mais afetados por isso seriam os mais frágeis e vulneráveis da nação. Para agravar ainda mais a confusão e incerteza, um programa de cupons estabelecido pelo Congresso para financiar o custo dos conversores - cada residência americana tem direito a dois cupons de US$ 40, que cobrem a maior parte, ou até mesmo o valor integral, do custo dos adaptadores - ficou sem verba no início de janeiro, deixando centenas de milhares de requerentes em uma lista de espera. (O programa já emitiu mais de US$ 1 bilhão em cupons.)

Vesta, uma mulher cuja fragilidade e cabelos brancos escondem seu gosto musical - Pink Floyd, Ozzy Osbourne e Nine Inch Nails são seus favoritos - disse que tentou várias vezes ligar para o número gratuito do governo nos últimos dias para pedir um cupom, mas não conseguiu ser atendida.

No fim das contas, ela foi tranqüilizada por quem menos esperava: Meals on Wheels. Há vários meses, motoristas e voluntários do programa de Houston têm entregado e instalado conversores digitais para seus clientes - como acompanhamento para seu frango assado e pêssegos cozidos, suas entregas mais comuns. A vez de Vesta chegou na semana passada.

Em Houston, que é o décimo maior mercado televisivo do país e cuja topografia plana faz com que seja relativamente fácil assistir à TV com apenas uma antena, o problema é particularmente grave: uma em cada 10 residências não fez a substituição, de acordo com estimativas da Nielsen, ficando atrás apenas de Albuquerque, no Novo México, e Dallas.

Consciente da necessidade de tais esforços, o Consumers Union, um grupo de defesa sem fins lucrativos que publica o Consumer Reports, está entre aqueles que pressionam o Congresso a adiar o prazo de 17 de fevereiro em quatro meses. O grupo estima o custo de reabastecer o programa de cupons em quase US$ 1 bilhão, disse Gene Kimmelman, vice-presidente de assuntos internacionais. Para financiar o custo dos esforços da Meals on Wheels, a Interfaith Ministries For Greater Houston, organização de serviço social que administra o programa, apelou no ano passado aos membros da congregação de igrejas e sinagogas da cidade para doarem os cupons de conversores recebidos; mais de 1.500 pessoas atenderam ao pedido.

"Depois que ouvi sobre o processo que se passa para conseguir o cupom e obter os conversores, fiquei furiosa," disse Bridget Samuel, chefe de operações da Interfaith. "Ainda faço as rotas das entregas. Encontro muitos sentados na frente da TV. Eles assistem a Price Is Right. Eles assistem a Judge Judy. Essa é sua companhia."

Meals on Wheels não é a única entidade de Houston, ou do país, que tenta substituir os equipamentos ultrapassados dos espectadores. A Associação Nacional de Emissoras estima que suas estações e redes, coletivamente, cederam mais de US$ 1 bilhão em tempo de publicidade para aumentar a conscientização do público.

A filiada da CBS em Houston, KHOU-TV, fez uma série de testes durante suas reportagens locais nas quais os espectadores foram informados que o sinal analógico estava prestes a ser temporariamente substituído por um digital - e que se suas TVs saíssem do ar, eles deveriam ligar para o número de telefone listado e se informar sobre como fazer a atualização.

Quando a KHOU e outras estações locais fizeram os testes em um dia de dezembro, quase 14 mil espectadores ligaram em resposta. Quando o teste foi refeito em 6 de janeiro, outras 8 mil ligações foram recebidas.

A KHOU também se uniu a uma cadeia de mercados local, H-E-B, para realizar eventos promocionais nos quais milhares de consumidores fizeram fila para requerer os cupons e, quando já o tinham, comprar os conversores. A maioria obteve o aparelho sem custo algum, com o H-E-B precificando os conversores a US$ 40, valor dos cupons. (Outras lojas de eletrônicos têm cobrado até US$ 100.)

Por meio de pesquisas com quase quatro mil clientes, a Meals on Wheels descobriu que Vesta estava entre os que precisavam de ajuda. Por isso, em 21 de janeiro, Samantha Greenwood, coordenadora de avaliação do programa, chegou para instalar o conversor na casa de Vesta.

No entanto, Greenwood não conseguiu fazer o conversor, do tamanho de um aparelho de TV a cabo e conectado tanto à antena quanto à TV, funcionar, por causa de problemas na fiação do apartamento de Vesta. Mas ela jurou que seu marido, um engenheiro, iria retornar antes de 17 de fevereiro para resolver o problema.

Vesta, que corre o risco de perder a transmissão de World News With Charles Gibson, seu noticiário favorito, disse que ficaria esperando.

No início daquela manhã, Greenwood teve mais sucesso no apartamento de Ramona DeFore, uma viúva do mesmo andar que também tem 77 anos. Sozinha, DeFore havia obtido um cupom e um conversor, mas não conseguiu conectá-lo à sua TV Magnavox, um aparelho tão antigo que ela mal se lembrava de onde o havia comprado.

Depois que Greenwood concluiu a instalação com sucesso, DeFore pôde sintonizar o Canal 2, filiado local da NBC, pela primeira vez em anos. "Acho que Phil está no Canal 2," ela disse, com um entusiasmo evidente, se referindo ao programa Dr. Phil. "Senti saudades dele. Queria poder ter assistido a ele antes, quando ainda tinha meu marido." - The New York Times

Por: RHO Empreendedor

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